Qual a sua filosofia de vida?

 

Falar de Filosofia não é fácil, mas nunca achei difícil filosofar. Estudei Filosofia por três anos, durante o ensino médio, antes de prestar vestibular para Estilismo e Moda. E como toda escolha deixa perdas, essa foi uma das disciplinas que mais me fizeram falta, além da Matemática. Mas nada como o tempo e a leitura para resgatar este prazer e entender que a Filosofia deveria fazer parte da vida de todos nós.

Sempre trabalhei para ter uma vida plena, saudável e proveitosa, pois tinha medo de vivê-la de forma passiva e medíocre. Sem saber, estava pensando como os filósofos... Em Filosofia: e nós com isso?, Mario Sergio Cortella nos mostra, de forma simples e didática, como a Filosofia é importante para dar sentido à vida. Partindo do princípio de que filosofar é uma forma de pensar, de se questionar sobre a própria existência e o sentido de estar no mundo que nos cerca, ele explica a importância de buscar constantemente os “porquês” para as questões da vida, de modo que a nossa própria vida não passe despercebida, sem sentido, sem propósito. Não se trata apenas de pensar (e ele deixa claro quando diz que a Filosofia não ensina ninguém a pensar, já que pensar é um atributo próprio da nossa espécie), nem de fazer perguntas fúteis, sem fundamento ou relevância, mas de levantar questões realmente importantes para nós e a sociedade como um todo. O convívio social é a base da Filosofia que Cortella nos apresenta, que está no cotidiano, no ordinário que não vemos, com a proposta de mudança para melhor. É sobre pensar e querer saber para o bem comum viver...

Filosofia é um modo de pensar - sistemático, organizado e metódico com questões precisas daquilo que se faz - para indagar sobre os porquês. Mario Sergio Cortella

Não se perde tempo quando se está pensando. (Frase da série O Alienista)

De vez em quando ouvimos alguém perguntar: “Qual o seu propósito de vida?”. Acredito que viver sem propósito é como desperdiçar a própria vida. E a Filosofia mostra que o questionamento é o primeiro passo para descobrir esse propósito. O meu propósito não é o mesmo do outro, mas muitas das minhas dúvidas sim. E quando pensamos, nos questionamos em busca de respostas, ampliando assim a nossa visão e percepção de mundo, de coletivo.

Conhece-te a ti mesmo. Sócrates

Por exemplo, a maioria das pessoas tem dúvidas como: "Por que e para quê existimos? A felicidade existe ou é apenas uma ilusão? Por que somos finitos? Para que existimos se deixaremos de existir?". Essas e outras perguntas nos leva a refletir sobre a humanidade e, segundo Cortella, esse é justamente o papel da Filosofia, ou seja, "pensar as razões da existência." Eu, particularmente, poderia responder à algumas dessas perguntas com base na minha crença religiosa, mas com certeza minhas afirmações não seriam suficientes para outras pessoas.

O que mais me interessa na Filosofia é o olhar sensível para o nosso interior, auxiliando na busca pelo autoconhecimento. Conhecer a si mesmo é o primeiro passo para ter uma vida plena e acredito que isso venha, primeiramente, do interesse em saber. Quando Cortella menciona a famosa frase do filósofo Sócrates, ele explica que "conhecer a si mesmo significa olhar, refletir e pensar, para não ter uma vida automática. É a ideia de uma existência com consciência".

Em um mundo de mudanças velozes, acomodar-se é perecer ou ficar ultrapassado. Cortella

A vida é muito curta para ser pequena. Benjamin Disraeli

Há três caminhos para o fracasso: não ensinar o que se sabe; não praticar o que se ensina; não perguntar o que se ignora. Beda

Cada vez que avanço na leitura, mais me encanto com as descobertas. Por exemplo, me identifiquei muito com a frase acima, do monge britânico Beda (672-735), quando fala sobre a generosidade de passar adiante o que se sabe, o que se aprende. Tenho isso como filosofia de vida e este blog é um exemplo disso. Procuro anotar e registrar tudo que vou adquirindo ao longo da vida, a fim de não só memorizar o que aprendo, como também tornar acessível aos que buscam algum tipo de conhecimento. Do que adianta saber e guardar para si? Somos uma corrente feita de pessoas, com sentimentos, dúvidas, conhecimentos, e tudo que for útil para mim poderá ser útil para alguém também...

A Filosofia, como uma dedicação persistente e corrente sobre a razão dos nossos pensares e agires, precisa da humildade como fonte protetora da sabedoria. Cortella

Acredito que nascemos pela graça de Deus que, sentindo-se maravilhado com a criação do mundo, quis compartilhar a sua felicidade e, por isso, criou o homem à Sua imagem e semelhança. Portanto, nascemos com ânsia de partilha, de convivência mútua e estamos em constante processo de evolução. Nunca acabamos de aprender, nunca saberemos o suficiente. Esta é a dádiva da vida. E Cortella complementa: "Não nascemos prontos. Somos capazes de nos inventar, reinventar, fazer e refazer. Temos a oportunidade de viver uma vida que não precisa ser marcada pelo automatismo e conformidade. A Filosofia pode nos ajudar a ser mais relevantes".

Filosofando sobre a vida...

'Pense nisso' em vez de 'pense isso'. Cortella

A natureza do pensamento filosófico está na indagação, na provocação sobre o que somos, o que nos limita, nos assusta, nos põe em dúvida, nos paralisa em busca da verdade, a fim de não nos contentarmos com o óbvio. E para isso, a Filosofia não busca forçar uma resposta, mas abrir caminhos para ela. Essa é a diferença entre pedir que alguém pense nisso, em vez de pedir que pense isso.

Se você não tem dúvidas é porque está mal-informado. Millôr Fernandes

Para o filósofo francês René Descartes (1596-1650), a maior certeza da nossa existência é a capacidade de pensar. Se podemos duvidar, é porque pensamos e se pensamos é porque existimos. Mas como, para que e por que existimos? Enquanto a Ciência busca descobrir "como" existimos, a Filosofia deseja saber o "porquê" de existirmos. E é por isso que muitas vezes os filósofos entram num embate com os teólogos, pois a religião tem a resposta que não convence a Filosofia, mas abre caminhos. É como a famosa piada irônica entre um filósofo e um teólogo, que o autor lembra para explicar a distinção entre os dois campos: "o filósofo é como um cego num quarto escuro, à procura de um gato preto que não estava lá. O teólogo é aquele que encontra o gato." Eu interpreto da seguinte forma: o filósofo busca encontrar a verdade e ela só é possível de forma racional. Primeiro ele quer ver, para depois crer. O teólogo, ao contrário, não precisa ver para crer. Ele crê no que não vê. Nessa comparação, o filósofo se aproxima muito do pensamento ateu, já que se cerca de dúvidas em busca de respostas. Mas a Filosofia não tem interesse em entrar nesse embate com a Religião ou a Ciência, pois acredita que elas se complementam. Dúvidas sempre vão existir. A ideia é vê-las mais como um sinal positivo, não de ignorância, mas de transformação para melhor.

Penso, logo existo. Descartes

A Filosofia é clássica. Nunca passa, nem ultrapassa. Mas por quê?

A palavra clássico tem sua origem na Roma antiga, quando as classes sociais foram divididas entre patrícios e plebeus, ou seja, entre os mais importantes (a elite) e os menos afortunados (trabalhadores). Como os patrícios eram dotados de maior poder aquisitivo e conhecimento, consequentemente seus gostos e preferências literárias, artísticas, musicais etc., eram muito respeitados e vistos como referência e exemplo de qualidade. O termo clássico passou a significar, portanto, tudo que pertencia à classe superior. Em contrapartida, existia também uma outra classe, que nem era rica nem trabalhadora, mas proletária (o povo, que vivia sob o jugo do Estado), que mais tarde ficou conhecida como terceira classe, dando origem à expressão associada à categoria inferior.

O filósofo é alguém que tem pé de chumbo e asas. Descartes

Filósofos clássicos: Sócrates, Platão e Aristoteles

Explicada a origem do nome, faço agora uma analogia com o universo da Moda, onde me deparei diversas vezes com o termo clássico e suas variadas interpretações na moda masculina.

O que significa moda clássica? Alguns dizem que o clássico é tradicional e, portanto, comum. Outros remetem ao velho, ultrapassado. Eu sempre vi o clássico como atualizado, que ultrapassa os tempos e se reinventa, tornando-se novo de tempos em tempos. Esse é o clássico. Porque ele era bom, perpetuou-se. Contudo, precisando adaptar-se às mudanças, assim como todos nós, é repaginado, ganhando nova “roupagem”. É por isso que existem roupas clássicas, livros clássicos, carros clássicos, pensadores clássicos etc., porque de alguma forma eles se eternizaram, deixando um legado carregado de significados que cabem nos dias atuais. Cortella vai explicar melhor: "O clássico tem a grande capacidade de resistir à passagem do tempo e manter sua atualidade.".

No entanto, ele destaca também que qualquer coisa pode deixar de ser clássica se perder sua funcionalidade, atualidade e tradicionalidade (aqui, a tradição é vista de forma positiva, pois atravessa os tempos e se mantém), pois todos os dias surgem novas coisas e o clássico só ira permanecer se atingir a nossa emoção, nos fazendo refletir e nos movendo para o futuro.

"Válido é o que foi criado antes de nós e entre nós permanece, cheio de significados e utilidades; ultrapassado é o que não tem mais lugar. Assim, aquilo que, vindo do passado, continua valendo agora, é um clássico!" Cortella

Do clássico à ética

O livro segue instigante a cada capítulo, levando a Filosofia a outros campos, como o seu papel no trabalho, na política e no convívio social. Cortella fala sobre liderança, papel do líder, da equipe, do Estado e da sociedade, sempre voltado para o bem comum e melhoria de vida para todos. Com isso, ele nos ajuda a perceber que perguntas são necessárias quando buscamos saber as intenções, finalidades e propósitos daquilo que indagamos. E isso vai além de olhar apenas para o nosso mundo interior. Na verdade, ele demonstra que, para vivermos bem, precisamos estar em comunidade e usar nossa inteligência com respeito e justiça em prol das pessoas, pois só assim teremos uma vida humanamente sustentável. Não somos iguais nem somos os únicos aqui na Terra. Portanto, todos os seres vivos importam. Todos os indivíduos importam. E isso inclui fazer a nossa parte e respeitar as nossas diferenças. Não existe uma fórmula. Nosso tempo é finito. Então, cabe a nós perguntar: o que queremos construir e deixar como legado para a sociedade e o mundo?

O futuro é o passado em preparação. Pierre Dac

E, assim, entramos no campo da ética, que só é possível quando vivenciada em grupo. Não existe ética individual, mas existe a moral. Cortella abre um parêntese para falar que a Filosofia pode nos auxiliar também nas questões éticas, quando nos colocamos diante de um grande dilema: o que é certo e o que é errado? Existe o bem e o mal?Fazendo uma distinção entre ética e moral, ele explica que a ética é o conjunto de princípios e valores que nos baseamos para viver em sociedade e moral é a prática desses princípios. Portanto, podemos ter conhecimento sobre ética, mas isso não nos impede de “pecar” na prática, pois depende de nossas escolhas e atitudes. Segundo Cortella, o que nos orienta a agir com ética é a escolha que fazemos ao responder a três questões: Quero? Posso? Devo? Não basta querer ou poder. É preciso também questionar-se se deve. E aí entra a questão da moral, do indivíduo que vai definir se o que pratica é ético ou antiético, de acordo com sua consciência. Uma coisa é certa: existe o certo e o errado. Mas muitos não sabem se estão do lado certo ou do lado que lhes convém.

Depois de passar por vários campos de conhecimento e questionamentos, ele termina falando sobre esperança e sua importância na Filosofia. De uma forma mais realista, nos faz enxergar que esperança não é pensar que tudo vai dar certo e sentar para ver acontecer, mas arregaçar as mangas e buscar a resposta, sem nunca desistir, mesmo que isso pareça uma utopia. Pois o significado de esperança não é o mesmo de esperar. Significa esperançar, ou seja, não desistir enquanto se espera.

Isso me leva à fé, que me leva às palavras do Pe. Reginaldo Manzotti, no livro O Poder Oculto, onde ele diz que, “para todos os momentos e desafios da vida, devemos ter sempre fé, força e foco”. Não necessariamente nesta ordem...

Filosofia: e nós com isso?

Respondendo à pergunta do autor, somos todos responsáveis pela vida que temos e o mundo que vivemos e queremos. A Filosofia, como uma luz que nos induz à reflexão, tem um grande papel na busca de respostas que vão nos guiar para uma vida plena, justa e harmônica, sem comodismos. Afinal, não sabemos por quanto tempo ficaremos aqui, mas não queremos que nossa passagem seja inútil e infértil...

A tragédia não é quando o homem morre. A tragédia é aquilo que morre dentro do homem enquanto ele ainda está vivo. Albert Schweitzer

E para terminar, complemento esta leitura cheia de indagações com uma frase do Pe. Fábio de Melo, no livro Quando o sofrimento bater à sua porta, em que resume a importância da Filosofia na vida de quem se propõe a exercê-la: “A filosofia exerce o mesmo poder que a medicina quando proporciona a cura da mente por meio do pensamento.”.

Trecho do livro Quando o sofrimento bater à sua porta - Pe. Fábio de Melo

Fim :)