Crer ou Não Crer - o Mistério de Deus e a História de Jesus sob os Pontos de Vista Religioso e Ateu
Eu sempre confiei na proteção divina, mas nunca deixei de olhar para os dois lados antes de atravessar a rua. Pe. Fábio de Melo
Uma das melhores obras do Pe. Fábio de Melo, Crer ou Não Crer é um diálogo aberto entre um padre católico e um historiador ateu acerca de várias questões de aspectos humano e religioso. Um bate papo descontraído, que busca explicar e, quando não, aprofundar sobre os mistérios da vida, fé e igreja, como instituição e canal de salvação. Todas aquelas perguntas que fazemos para as questões que muitas vezes não têm respostas, são debatidas de forma inteligente e amigável, nos instigando a questionar ainda mais sobre o tema.

Mais do que procurar provar quem está certo, há o desejo latente de provar que não deve haver desrespeito às crenças nas crenças nem às crenças nas descrenças. Mario Sergio Cortella
Com prefácio de Mario Sergio Cortella, a obra foi inspirada no livro Em que creem os que não creem?, do escritor italiano Umberto Eco (um dos maiores pensadores e escritores dos últimos tempos que tive a oportunidade de ler na faculdade), em um diálogo acadêmico com o cardeal Carlo Maria Martini acerca dos valores humanos, tradição religiosa e apocalipse, entre outros temas polêmicos. Aqui, o debate é um pouco diferente, mais simplista, a fim de alcançar a compreensão de todos.
Eu consegui ser um excelente católico; a minha dificuldade foi ser cristão. Eu era um católico exemplar no conhecimento, nas práticas, nas devoções. Mas um cristão muito crítico e agressivo. Leandro Karnal
Começando com uma breve introdução sobre a vida religiosa dos autores, o livro traça um perfil de dois intelectuais, que estudaram a fundo teologia e os ritos da igreja católica, vivenciando de perto sua religiosidade. Porém, à medida que o diálogo vai crescendo, vão descobrindo não só diferenças como também muitas semelhanças entre eles. Enquanto Leandro Karnal buscava uma base divina que justificasse sua religiosidade, padre Fábio de Melo não precisou de um milagre para crer.
O ceticismo foi emergindo porque fui esbarrando nessa experiência muito subjetiva e complexa. Onde você encontrou Deus, eu me desencontrei Dele. No cotidiano, passei a não achar mais que tem alguém do outro lado. Leandro Karnal
Karnal estudou teologia e praticou o catolicismo com muita dedicação, utilizando sempre o princípio da razão, baseado nos fatos da Bíblía e na História. Entretanto, em algum momento, não encontrando (ou não sentindo) Deus, tornou-se ateu. Padre Fábio, ao contrário, encontrou Deus no exemplo humano e misericordioso de Jesus. Foi vivendo o cristianismo, a dor do próximo, que achou a motivação para exercer a profissão e crer.
Minha crença é humana. Deus me fascina com o ordinário da vida. Pe. Fábio de Melo

Não consigo encontrar nada fora da lógica do momento da escrita, nada. Só encontro o observável e explicável. Leandro Karnal

O livro conta a história de uma conturbada família russa, destacando quatro irmãos com personalidades e crenças bem diferentes. Dois deles chamam mais atenção - Ivan e Aliêksei Karamázov -, por serem divergentes em suas opiniões sobre a fé e a existência de Deus. Inicia-se, assim, um debate entre eles, tornando o romance mais profundo. Em um dos capítulos, O Grande Inquisidor, Ivan apresenta um poema intrigante ao irmão sobre uma suposta vinda de Jesus pela segunda vez à Terra, num dos períodos mais críticos da história cristã: a Inquisição. E, nessa suposição sobre a vinda de Jesus, ele fala como a Igreja teria se posicionado diante de tal realidade, de forma muito inteligente e intrigante, surpreendendo a nós, leitores, com sua visão crítica, pois sua crença vai contra tudo que a Igreja prega e nós, cristãos, acreditamos, mas que não deixa de ser perturbadora, até mesmo para os que creem em Deus.
Achei tão curioso que resolvi também assistir ao filme inspirado na obra - O grande Inquisidor, que pode ser visto no YouTube (clique aqui) -, para visualizar aquilo que seria um embate duro entre a igreja católica e Seu idealizador, já que para Karnal Jesus não fundou o cristianismo, e sim o apóstolo Paulo, que deu forma e o universalizou.
Em uma das principais cenas, o cardeal inquisidor pergunta a Jesus por que Ele voltou, ao invés de adorá-lo ou alegrar-se com a Sua volta. Manda prendê-lo e faz diversas perguntas, como: "Por que só agora, depois que a Igreja (como instituição) teve de lidar sozinha com o grande desafio de propagar e manter a religião e os fiéis, através dos séculos, você resolve voltar?" Durante o diálogo, Jesus se mantém calado, apenas ouvindo, enquanto o inquisidor profere duras palavras contra o messias, pondo em questão o cristianismo de Jesus, e mostrando que a Igreja fundou uma religião que realmente funciona, com regras, normas e castigos, diferente da utopia de Jesus que não funcionaria no mundo atual. Então, para o inquisidor, melhor teria sido se Jesus não tivesse voltado a desfazer toda a “obra” construída pela igreja.
As cenas são difíceis de ver, principalmente para os cristãos. Mas vale a pena conhecer a visão do autor sobre questões que fazem parte das dúvidas da maioria das pessoas.

Fé é entrega e, para a entrega, deve existir uma disposição interior que eu não tenho mais. Leandro Karnal
Voltando ao livro do Pe. Fábio de Melo, Crer ou Não Crer tem muitas outras curiosidades e ensinamentos que vão além da fronteira entre o "céu e a terra". Uma leitura profunda e descontraída, com um tom filosófico e algumas gota de ironia, que nos prende do início ao fim e nos mostra, entre tantas coisas, como religiosos e ateus podem conviver entre si, com respeito e amizade, entendendo mais sobre suas diferenças e aprendendo mais sobre a humanidade.
Por que a fé não aceita o silêncio? Não é mais interessante aceitarmos que sobre isso (mistério) nós não temos o que dizer, mas apenas esperar? Pe. Fábio de Melo
Abaixo, algumas citações do diálogo entre eles:
Crer em Deus não nos desobriga de fazer o possível que nos cabe. Pe. Fábio de Melo
O milagre se dá por duas vias, divina e humana. Não estamos sós, mas a crueza não se dissipa só porque cremos. Há fatos que não poderão ser alterados, sofrimentos que não poderão ser evitados. Minha fé não pode me colocar sob a ilusão de que Deus viverá por mim o que a mim cabe. Pe. Fábio de Melo
O homem é inviável. A espécie humana é inviável. Somos egoístas. Quando somos caridosos é porque transformamos o egoísmo. Somos destruidores da natureza, somos monstruosamente assassinos. Matamos, torturamos... Por isso eu entendo a força das religiões. Elas mostram que, de fato, nós não temos condições, mas que haverá alguém que vai nos desviar desse destino quase impossível. Leandro Karnal
O nosso problema não é a falta de Deus. Enfrentamos é a falta de valores humanos, de educação, de conhecimento, de preparo, de solidariedade, tolerância. Pe. Fábio de Melo
Há coisas que Deus não pode alterar. São resultados da vida, das escolhas que fazemos. O que Dele podemos esperar é que nos ajude a administrar da melhor forma o resultado. Pe. Fábio de Melo
Quando você diz que as instituições não o calam, é uma fé que reconhece uma ligação direta com Deus e considera que as instituições ajudam ou não nessa ligação. Mas, se elas atrapalharem, o que importa é o carisma do fundador, e não a opinião dos acionistas. Leandro Karnal
Jesus é legal. O que 'ferra' é o fã-clube. Leandro Karnal
Trabalhamos enquanto esperamos. É como receber uma visita. Sabemos que a visita vai chegar, mas nossa espera não é inerte. Pe. Fábio de Melo
O meu querer está a flor da pele, mas minhas necessidades são mais profundas. Eu sei o que quero, mas nem sempre sei o que necessito. Pe. Fábio de Melo
Insiro tudo no plano da História e considero nossa consciência o limite de todo o universo. Nossa consciência humana valida milagres, cria curas, comprova aparições, atesta possessões, entrega-se ao poder de amuletos e sente bem-estar em lugares sagrados. Leandro karnal
Um símbolo só tem sentido quando nos faz chegar a algo. Toda devoção precisa ser vivida como ponte para se chegar a Jesus. (...) Caso contrário, torna-se paganismo religioso. Pe. Fábio de Melo
Osíris existiu por mais tempo do que Jesus na crença dos egípcios. Deus também morre quando seus adoradores morrem. Leandro Karnal
As pessoas customizam a religião. Crer na reencarnação é um obstáculo à crença na ressurreição. Mas as pessoas não são conscientes disso e se dizem católicas fazendo um adendo com o kardecismo, sem pensar que teologicamente há uma ruptura entre as duas convicções e que a reencarnação é definida como heresia desde o Papa Pio IX. Leandro Karnal
Não é possível ser católico e kardecista. É um ou outro. Mas as pessoas não têm essa compreensão. (...) Querem a religião que funcione naquele momento. E só. Nem sempre há o interesse pelo conhecimento, pela história que há por trás, sua origem. Pe. Fábio de Melo
Eu acho que a crença das pessoas é, essencialmente, crença em si. Quando afasto da Bíblia o que eu não quero e seleciono o que quero, eu creio em mim e não na Bíblia. Leandro karnal
Ninguém tem uma vida extraordinária. Todo mundo precisa administrar um cotidiano absolutamente comum. Transformar a experiência cotidiana numa experiência prazerosa é o desafio de todo discurso religioso. Pe. Fábio de Melo
Um ateu não se preocupa com a salvação após a morte, mas não está dispensado de pensar na salvação histórica. O Que me salva hoje do absurdo, do caos, da pior parte que me habita, do ser mesquinho que posso ser? Como evoluir? O que fazer para que o pior que há no mundo não encontre espaço para crescer em mim? Pe. Fábio de Melo
A dor que dói em mim é a mesma que dói nos outros. Temos muito mais semelhanças do que diferenças. Qual o benefício de crer como creio? Poder desfrutar a vida sob o enfoque do Sagrado. Tudo que me cerca pode me conduzir a Deus. A natureza, as pessoas, as paixões humanas, as artes, o sofrimento. Pe. Fábio de Melo
Eu acho que nós inventamos essências, uma delas é o amor eterno, romântico; a outra é Deus; a outra é a bondade humana. Inventamos essências que tornam esse vale de lágrimas tolerável. Existe a dor, a solidão, o medo, a finitude, a ausência de paz, o risco da perda de quem amamos... Como não ceder ao consolo da oração, da promessa, da entrega a um poder maior? Leandro Karnal
Eu acho que a religião é uma resposta muito importante e muito transcendental para todas as angústias. Leandro Karnal
O ateísmo é justamente o momento em que o humano se desilude com Deus, percebendo que o Deus a quem foi apresentado é pior do que ele. Pe. Fábio de Melo
O medo encheu, historicamente, mais igrejas do que o amor. Leandro Karnal
É na percepção das escolhas que fazemos diariamente que nós identificamos se estamos construindo o céu ou o inferno. Pe. Fábio de Melo


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