O amor ao ódio

Por que tanto ódio nas redes sociais? De onde vem tanta intolerância?A globalização é responsável pela propagação do ódio ou apenas agravou uma característica inerente à natureza humana? Essas e outras questões são respondidas pelo historiador Leandro Karnal em "Todos contra todos: o ódio nosso de cada dia".
Começo dizendo que Leandro Karnal não acredita que o homem já nasce bom ou ruim. Mas que aprende ao longo da vida. Para ele, o bom e ruim são conceitos morais que precisam de um contexto e esses conceitos mudam de acordo com a evolução da história. Ou seja, o que um dia foi algo bom - como a invenção da lobotomia (tratamento que deixava o paciente incapaz mentalmente, a fim de impedir ataques e mortes, pela falta de tratamento terapêutico e medicamentoso eficazes) -, hoje seria considerado um crime. Um outro exemplo vem da época da Idade Média, onde um juiz inquisidor era considerado um redentor da sociedade, um "purificador", ao invés de um perseguidor assassino. Resumindo, o bom e mau são conceitos construídos por uma moral de uma determinada época. Os tempos vão passando e vamos mudando, juntamente com a história. Como disse Pe. Fábio de Melo, “talvez um dia seremos tão evoluídos que deixaremos de comer carne.” Quem sabe?!
Ao afirmar isso, Karnal não pretende tirar a culpa do homem por sua má conduta. Pelo contrário, o homem não nasce moral, mas os conceitos morais que ele conhecerá ao longo da vida o moldarão, seja para o bem ou para o mal. Somos autores das nossas ações. Afinal, diferente dos animais, que usam o instinto para matar, temos inteligência para raciocinar.

O autor começa descrevendo o brasileiro como aquele que põe a culpa sempre no outro. Que geralmente está correto e não aceita contestações. Que não é racista, violento nem preconceituoso. O maior exemplo disso é dizer que no Brasil nunca houve guerras. De fato, aprendemos isso na escola, onde a própria História do Brasil chama suas guerras, muitas vezes sangrentas e bárbaras, de “revoltas” ou algo parecido. Não importa se houve decapitação, tortura ou massacre. Existe sempre uma interpretação branda que justifique os eventos. Indo por esse caminho, Karnal explica que nos distanciamos cada vez mais da problemática e, consequentemente, da solução.

O Brasil sempre negou ou justificou suas guerras, diferentemente de países que construíram sua liberdade em cima de guerras civis. Essa negação, falsa ilusão de que vivemos no “país das maravilhas”, não passa de uma falácia que só nos afasta da realidade e solução dos reais problemas. Fingimos ser um país pacífico, mas não toleramos o próximo…
Essa tradição faz com que a nossa violência seja tolerada, desde que aplicada a grupos sociais específicos.

Para alguém que sofre constantemente ataques e insultos de ódio e preconceito, Leandro Karnal mais uma vez me surpreende com seu humor irônico ao falar de um dos maiores defeitos do homem: o ódio ao próximo.
O livro descreve um pouco a origem dos problemas sociais e políticos do Brasil, desde o seu “descobrimento”, passando por presidentes e governos, até chegar na era da tecnologia e redes sociais, a fim de identificar a raiz que alimenta o ódio entre as pessoas. Violência, racismo, homofobia. A cada dia cresce o número de pessoas intolerantes e preconceituosas, que não aceitam opiniões contrárias. Discutir o assunto, nem pensar. Se for a favor, está tudo bem. Se for contra, está errado. A ideia de consenso passa longe do brasileiro intolerante. Uma lástima, já que, entra ano e sai ano, governos vêm e vão, e continuamos a colocar a culpa de tudo que acontece no outro.

O autor destaca os ataques e comentários racistas que vêm se alastrando pelas redes sociais e atingindo, principalmente, famosos, como a atriz Taís Araújo e a apresentadora de jornal Maria Júlia Coutinho. Karnal chama isso de violência da linguagem, que, segundo ele, é uma das maiores violências que existem.

Esse tipo de violência, que chama um nordestino de “paraíba” ou uma apresentadora de “preta imunda”, só mostra que o racismo sempre existiu no Brasil e ainda é forte. E a internet só vem agravar esse mal, pois tem a vantagem de proteger o criminoso, tanto através das telas de computador, como através do anonimato (perfis falsos). Portanto, para Karnal, não basta o consenso, mas também a coerção, ou seja, reprimir por força da lei ataques racistas, enquanto também se ensina a não disseminar o ódio.
É errado dizer que a internet transformou as pessoas em odiosas. Mas é fato que ela gera mais tranquilidade no exercício do ódio.

A gratidão é um peso, a vingança é um prazer.
Para o autor, a globalização não ajudou a propagar o ódio nem a aumentar as mortes, como as grandes guerras, mas a evolução da tecnologia sim. As grandes guerras dizimaram parte da população mundial, mas o poder que se tem hoje de armamento é capaz de aumentar muito mais esse número. Além disso, é mais fácil nos lembrarmos dos eventos trágicos mais recentes - porque são registrados e comentados, como os ataques de 11 de setembro -, do que os mais antigos, esquecidos pelo tempo... Isso nos dá uma falsa impressão de que o mundo está piorando. Na verdade, o homem sempre fez guerra…

Vivemos em sociedade, mas nos odiamos paralelamente. Para Karnal, o ser humano adulto cultiva o Narciso infantil, onde tudo gira em torno dele. Não pode ser contrariado. “Narciso acha feio o que não é espelho.” Assim, a ideia de coletivo não existe, ou é fake. Sabemos que pensar no coletivo é a base para uma boa convivência e, consequentemente, para uma boa política. Entretanto, o ser humano prefere calar o próximo, com argumentos que falam mais sobre si mesmo do que o outro. A ele resta apenas reclamar. Impor suas ideologias, culpando o outro pelos problemas sociais.
É claro que existe exceções, mas a discussão aqui gira em torno da propagação do ódio que tem tomado conta das pessoas, principalmente em torno da política, nas redes sociais.

Karnal acredita que a solução para o mal do ódio está na educação da criança. E nos lembra que, antes de exigirmos a educação escolar, as crianças já estão em contato com várias formas de interação e socialização, começando por casa. Logo, o papel dos pais na educação é tão importante quanto o da escola. Ensinar a dialogar ao invés de confrontar. Não gritar ou impor regras sem dialogar. Entender e respeitar o próximo e opiniões alheias, para depois expor seu ponto de vista.
É tão idiota e violenta a discussão política que não se pode classificar como discussão. É apenas a disputa de um espaço de Narciso.

Enfim, não é brigando ou instigando as pessoas ao ódio que resolveremos os problemas sociais e políticos do nosso país. Pelo contrário, a criança que convive com valores ultrapassados, fatalmente se tornará um adulto intolerante.

Finalizando a obra, o autor aponta que a política de um governo é sempre consequência de uma educação, seja boa ou ruim. O que herdamos e aprendemos, normalmente propagamos. Tudo começa lá atrás, na formação de cidadãos éticos e de bem, pois não existe pátria ética com população antiética. Uma sociedade corrupta resulta em uma política corrupta.

Em outras palavras, no Brasil ocorre mais troca de insultos do que debate político. A política é uma briga pelo poder. É só olhar para os salários de governadores e presidentes. Não são atrativos para o cargo, mas para ter poder e atender a interesses próprios, sim. Ou seja, não se governa para o povo, mas para o poder sobre o povo. Para Karnal, alguns políticos até pensam no bem comum, mas estão inseridos num mesmo jogo de poder. A única vantagem dessa crise que se instalou recentemente (CPIs, populismo, politização etc.) é o exercício do debate em torno da política. De pensar mais no coletivo, no bem comum ao invés do jogo de poder.
A culpa de uma má liderança pode até ser exclusivamente de um mau líder, mas, para Karnal, a causa pode estar na sociedade. E a solução também…
O ódio tem uma função boa: revela minha fraqueza. E, se eu desejo melhorar, a primeira missão é encarar a medusa. Senão, o ódio vai me dominar.


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